domingo, 21 de fevereiro de 2010

Rubem Alves





"Tudo aconteceu numa terra distante, no tempo em
que os bichos falavam... Os urubus, aves por natureza
becadas, mas sem grandes dotes para o canto,
decidiram que, mesmo contra a natureza, eles
haveriam de se tornar grandes cantores. E para isto
fundaram escolas e importaram professores,
gargarejaram dó-ré-mi-fá, mandaram imprimir
diplomas, e fizeram competições entre si, para ver
quais deles seriam os mais importantes e teriam a
permissão de mandar nos outros. Foi assim que eles
organizaram concursos e se deram nomes pomposos, e
o sonho de cada urubuzinho, instrutor em início de
carreira, era se tornar um respeitável urubu titular, a
quem todos chamavam por Vossa Excelência. Tudo ia
muito bem até que a doce tranqüilidade da hierarquia
dos urubus foi estremecida. A floresta foi invadida por
bandos de pintassilgos tagarelas, que brincavam com
os canários e faziam serenatas com os sabiás... Os
velhos urubus entortaram o bico, o rancor encrespou a
testa, e eles convocaram pintassilgos, sabiás e canários
para um inquérito. “ - Onde estão os documentos dos
seus concursos?” E as pobres aves se olharam
perplexas, porque nunca haviam imaginado que tais
coisas houvesse. Não haviam passado por escolas de
canto, porque o canto nascera com elas. E nunca
apresentaram um diploma para provar que sabiam
cantar, mas cantavam, simplesmente... “ - Não, assim
não pode ser. Cantar sem a titulação devida é um
desrespeito à ordem.” E os urubus, em uníssono,
expulsaram da floresta os passarinhos que cantavam
sem alvarás..."

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