domingo, 18 de julho de 2010

Cidadania celestial no mundo de hoje

O texto de Mateus 5. 1-20 trata daqueles que são considerados cidadãos dos céus. Algumas características são realmente marcantes e valem a pena ser comentadas. Primeiro, o contexto em que Jesus diz isso. Ele diz isso aos seus discípulos. E é um texto para discípulos. Esse texto tão comentado jamais poderá ser vivido por alguém que não tem comprometimento com o mestre. Acho que essa é a primeira lição que nós podemos aprender sobre cidadania celestial. Não importa muito de onde viemos ou para onde vamos, em certo sentido... Importa o nosso grau de lealdade ao mestre. Antigamente, na época de Jesus, os discípulos sempre andavam junto com o mestre, sempre o escutavam, sempre tentavam fazer tudo o que ele mandava. Os discípulos viviam com o mestre.  Os cidadãos dos céus realmente se diferenciam por essa proximidade. Por isso esse texto é tão difícil para alguns. Somente estando conscientemente próximos d’Ele podemos passar para as bem aventuranças.

E aqui eis um texto difícil. O fato de Jesus falar de aventuranças em condições tão difíceis me faz refletir sobre até que ponto pode o homem chegar ao nível do sermão. Tolstoi é um exemplo clássico daquele que tenta, mas não consegue. Ele é um exemplo pois ele tentou. Ele é um exemplo porque ele chegou à conclusão óbvia: ninguém consegue. O padrão do reino não pode ser alcançado aqui. Mas ao contrário do que pensam alguns, eu concordo que o nosso dever como cidadãos do céu é justamente espalhar essas bem aventuranças com nossas vidas. Tentar ir além é o nosso dever. O tão famoso salto de fé é condição necessária para ser cidadão celeste. Sem fé é impossível agradar a Deus.

Agora, fica a questão. Como fica nossa cidadania celestial aqui na terra. Logicamente, não é nosso dever fugir do mundo. Os limpos de coração, os que choram, os que têm fome e sede de justiça, os misericordiosos, os humildes, todos eles são bem aventurados não porque vivem sozinhos, mas porque vivem neste mundo. Eles são bem aventurados por ser sal numa terra que ainda não viu a restauração de todas as coisas. São bem aventurados porque trazem luz em meio às trevas! Nosso dever celestial é iluminar, salgar, fazer a diferença. Ninguém faz isso escondido do mundo. É o que diz os versos 14-16.
Os cidadãos do céu trazem boas novas também. A lei foi cumprida em Cristo, como diz o verso 17-19. Isso significa que uma nova era foi inaugurada. Jesus cumpriu a lei e seus discípulos agora podem apregoar esse novo reinado de paz que logo será consumado, no sentido em que ele irá invadir tudo aqui de uma vez por todas. Nossa cidadania passa por essa responsabilidade. Veja o verso 19. Mesmo aquele que não cumprir esses mandamentos, mas ensinar, tem lugar garantido neste reino. Porém, é nosso dever, como diz Jesus na parte b, observar e ensinar, buscar ser esse grande homem do reino do céu.
Concluindo, toda vez que eu leio esse texto, eu tento fazer uma conexão com o primeiro verso de Mateus. Quando Jesus se assenta e começa a ensinar seus discípulos, ele já via o futuro, ele já via nossas vidas. Nós não temos nem podemos ver o futuro, mas é como já disse alguém: o professor se eterniza, embora ele não saiba até onde ele chegará. Há, como sempre, e aqui também, nas escrituras essa tendência de enxergar o futuro, de apontar para uma nova era. Mas eu acho que nem lá, nos céus, poderemos compreender o quanto somos importantes, o quanto nós ensinamos ao mundo, o quanto de beleza trazemos ao nosso redor...

Ismael Patriota

terça-feira, 6 de julho de 2010

Saint-Exupéry aterrissa, finalmente

Seu desaparecimento gerou um fascínio agora revivido com a descoberta de destroços de seu avião. Stacy SchiffThe New York Timesabril de 2004

Durante quase 60 anos, a lenda de Antoine de Saint-Exupéry, o aviador e autor de O Pequeno Príncipe, eclipsou a vida. Coisas mais substanciais e valiosas desapareceram - Atlântida, Santo Graal, 18 minutos e meio de uma fita da Casa Branca -, mas poucas geraram o fascínio eternamente associado ao escritor que, tomando emprestado um truque de sua criação mais conhecida, simplesmente desvaneceu-se no ar. 

Às 8h45 de 31 de julho de 1944, Saint-Exupéry decolou da Córsega numa missão de reconhecimento sobre a França ocupada. Devia estar de volta à 0h30. Às 3h30, foi oficialmente dado como desaparecido. Em abril de 1945, uma missa foi celebrada em sua homenagem. 
Mas ele nunca morreu exatamente. Ao ler sobre seu desaparecimento, Anne Morrow Lindbergh pôs o dedo na ferida que isso causou. Há uma terrível diferença, escreveu ela, entre "desaparecido e morto". Há também uma receita não tão secreta do que se transforma numa lenda. 
Os destroços de um avião retirado do Mediterrâneo foram identificados neste mês como da aeronave de Saint-Exupéry. Já se sabia da probabilidade de que o Lockheed P-38 estivesse a poucos quilômetros da costa de Marselha, de onde, em 1988, um pescador retirou de sua rede o bracelete de prata que identificava o piloto. Esta descoberta soluciona um mistério sobre o fim de Saint-Exupéry: ele estava onde se supunha que estivesse. As instruções que tinha naquele dia o teriam levado a voar sobre Lyon e foi na volta à Córsega que seu P-38 mergulhou no oceano. 
É improvável que o motivo da queda seja resolvido pelos destroços; mas não se pode dizer que o acidente tenha sido inesperado. Saint-Exupéry era o recordista de quase desastres da sua esquadrilha. Tendo se empenhado numa campanha para conseguir sua volta à ativa, pilotava um avião dentro do qual não cabia e no qual não podia voar confortavelmente. Não conseguia se comunicar com a torre de controle em inglês. A operação dos freios hidráulicos eram também um desafio para ele. Costumava confundir pés com metros. 
Os pilotos franceses na Córsega o conheciam como um escritor premiado e pioneiro da aviação. Já para os americanos era apenas um grandalhão desastrado, velho demais e mal treinado, que em apenas oito semanas com eles destroçou uma aeronave de US$ 80 mil. Por causa desse revés, foi impedido de voar sem cerimônia. Ele implorou por clemência; afirmou que estava disposto a morrer pelo seu país. "Não ligo a mínima se você vai morrer ou não pela França", informou-lhe o coronel Leo Gray, "mas não vai fazer isso num de nossos aviões". Era um caso de um tesouro nacional contra outro. 
Também foi um caso no qual Saint-Exupéry conseguiu o que queria. Já passara havia muito da época em que se sentia confortável; não conseguia se imaginar em nenhum outro lugar que não fosse na cabine de uma aeronave. A vida inteira tinha sonhado em escapar, ansiado por horizontes mais amplos, ameaçado trocar de planeta. Sentindo-se cada vez mais afastado de seus conterrâneos, cuja luta interna criticara; ferozmente antinazista, não apoiou nem De Gaulle nem os comunistas. Previu que a libertação não tiraria a França de seu infortúnio. 
Das suas frustrações pessoais e da sua incapacidade para se fazer entender em suas posições políticas surgiu O Pequeno Príncipe. Publicado em 1943, só mais tarde virou best-seller. Seu texto é interpretado sinistramente como uma morte anunciada, sua mística intensificada pela comparação entre o escritor e o assunto: arrogantes inofensivos cujas vidas consistem em partes iguais de vôo e amor fracassado, que caem na Terra, ficam pouco impressionados com o que vêem e acabam desaparecendo sem deixar rastros. 
Naturalmente que é fácil prever sua própria morte se você está disposto a cometer suicídio e, para aqueles inclinados a tais interpretações, há a mística questão dos pores-do-sol. O pequeno príncipe vive num planeta tão pequeno que consegue ver o sol se pôr precisamente 44 vezes ao dia - por coincidência, a idade de Saint-Exupéry quando morreu. (Por uma razão inexplicável, o príncipe assiste a 44 pores-do-sol somente na tradução inglesa. No original, são 43). O fato de Saint-Exupéry não ter desejo de continuar vivendo era evidente, porém não estava claro que pretendia se matar. 
Mas, com a descoberta da sua aeronave, essa teoria tem sido novamente trazida à tona na mídia da França. Foi para protegê-lo da indignidade de tal acusação - ou para sustentar um mito valioso - que sua família por muito tempo se opôs a todas as buscas. O destino de Saint-Exupéry permanece constante. Parece que o mito sempre será cultivado às custas do homem. 
O que muda é O Pequeno Príncipe, finalmente devolvido ao que foi na vida de seu autor: uma obra de ficção. Por muito tempo, carregou um ônus pesado, mais do que qualquer livro deve ter. Ninguém nunca esperou que P.L. Travers fosse transportado pelo vento oeste. O conto de fadas de Saint-Exupéry está novamente livre para se entrelaçar não com o enigma do autor, mas com os mistérios que tanto o aturdiram: é solitário no meio dos homens; a linguagem continua sendo uma fonte de mal-entendidos; mais do que nunca corremos afoitamente, sem saber bem o que estamos procurando. Pode ser mais difícil agora perder uma aeronave no Mediterrâneo do que era, mas alguns mistérios perduram. 
Como acontece com algumas verdades sobre o fim de Saint-Exupéry. A dele foi uma morte nobre. Como observou sua viúva, a saída foi sob encomenda, uma queda meteórica no fim de uma vida perseguindo estrelas. 
Também seu desaparecimento mostra todos os sinais de ter sido o fim que Saint-Exupéry queria. Na década de 1930, foi-lhe perguntado, dada sua já impressionante lista de escapadas por um triz, que tipo de morte preferiria. 

Escolheu a água. "Você não sente que está morrendo. Simplesmente sente que está caindo no sono e começando a sonhar." E lá, certamente, podemos deixá-lo.
 
 
Notícia do New York Times publicada no O Estado de S. Paulo em 20 de abril de 2004