domingo, 18 de fevereiro de 2018

“A criança é o pai do homem”. Assim dizia o poeta Wordsworth em 1802, na famosa poesia “the rainbow”. Imagine um tempo sem luz elétrica, sem confortos, geladeira, pokemons. A simplicidade da vida pastoril de tempos antigos, como a do poeta da frase acima é realmente muito diferente da nossa vida de 2018.
Mas ele estava certo ao escrever que a criança é o pai do homem. Veja, há muitas implicações nessa pequena frase. A mais óbvia é dizer que a criança prenuncia, mostra, de certo modo, o que ela será mais à frente. Mais existe outra. Lembro que assisti a um filme da década de 1980, koyaanisqatsi, musicado por Philip Glass. Ao longo de 1h e meia de filme somos levados a uma viagem. Começamos com imagens da natureza e um som tranquilo e suave, mais isto vai mudando até que no final do filme, as repetições próprias do Minimalismo do compositor, juntamente com imagens cada vez mais rápidas e repetitivas mostram o quanto mudamos em nossas relações com o mundo e as pessoas. É uma ideia bíblica: A curva que o ser humano fez não é exatamente para cima, como uma parte da ciência quer nos convencer. A relação do homem com o mundo, em muitos sentidos, é uma curva para baixo.
Ao pregar o sermão do monte, Jesus estava pregando para pessoas simples, que sabiam o que era dor, conheciam muito mais que nós sobre humildade e dependência, fome e sede, pureza e consolação. Por que eles sabiam mais? Ora, olhe a sua volta. A fase de nossa infância passou. Nossa relação com o mundo tornou-se artificial de uma forma assustadoramente rápida. Enquanto os ouvintes de Jesus não tinham a que recorrer e tinham que enfrentar a si mesmos, nós nos deixamos levar pela sedução da artificialidade. Estou escrevendo este texto em frente a uma tela. Toda nossa relação com o próximo quase sempre envolve números, celulares e facebook. Está raro os amigos se reunirem, o partir do pão, o orar no quarto, as brincadeiras de crianças com crianças de carne e osso, as famílias reunidas, o amor sem interesse. Estamos longe do arco inicial do filme, da criança de Wordsworth.
De certo modo, já era esperada, toda essa história, toda esta curva que estamos fazendo desde que fomos criados. Como diz C.S.Lewis, Deus não criou robôs! Eis então nossa vida cristã. Ela também parece ter sido atingida. Quantos são os que continuam num primeiro amor? Quantos são os que deixam cristo entrar e ceiam com ele? Quantos são os que choram com os que choram no mundo? Somos parte de uma massa mesmo, indo friamente para os mesmo lugares, fazendo as mesmas coisas e terminando do mesmo jeito? Não, Deus viu que não há um bom sequer... Não existem aqueles que continuam para sempre num primeiro amor, que estão sempre ceando com Cristo, que estão sempre chorando com o mundo. Somos resultado das nossas próprias repetições egoístas de nosso jovem coração.
Esta ideia de repetição de padrões já era visto pelo poeta e ganhou contornos reais a partir dos anos 50-60 do século XX. O absurdo desta relação é visto, por exemplo, em Come Out, do compositor Steve Reich, peça de 1989. A frase come out é repetida sem parar, num loop manipulado pelo compositor, de tal modo que ela começa a perder o contorno, perder o sentido, desfigurando algo tão caro aos seres humanos: a fala. É como ver um quadro de Picasso, onde as pessoas não tem mais rosto próprio. A artificialidade pode ser sedutora e essa curva para baixo persegue todo ser humano.
De fato, não é possível voltar a ser criança novamente depois que perdemos a inocência e Wordsworth reconhece isso em sua poesia. O que podemos fazer então, diante de nossos descaminhos que nos conduziram até onde estamos? Só podemos clamar para que Deus intervenha. Digamos como o salmista: restaura-nos, Ó Deus dos exércitos, faze resplandecer o teu rosto e seremos salvos! (SL 80). Cantemos com o compositor: Aviva-nos Senhor, oh dá-nos teu poder! De santidade, fé e amor, reveste nosso ser! Como melhorar diante deste quadro perturbador? Apesar de tudo, que possamos ter aquele momento com Deus; que possamos ouvir com atenção, dispostos, com interesse ao nosso irmão; que olhemos para Jesus e nos preocupemos em ajudar nosso próximo com um espírito acolhedor, sincero e honesto; que olhemos para as coisas de cima, juntando tesouros que não podem ser roubados. Que não nos desesperemos, mas que nossa consciência se tranquilize, ao olharmos para nosso próprio exílio, acolhendo a graça que pode nos salvar...

Por : Ismael Patriota, 17/02/2018. Rio de Janeiro.

sábado, 8 de fevereiro de 2014

Diário Semanal de Lucas 1. 43-45

"E de onde me provém isto a mim, que venha visitar-me a mãe do meu Senhor?
Pois eis que ao chegar aos meus ouvidos a voz de tua saudação, a criancinha saltou de alegria no meu ventre. Bem-aventurada é a que creu, pois hão de cumprir-se as coisas que da parte do Senhor lhe foram ditas."

            Quero destacar uma progressão nos versos 43-44: meu Senhor - sua saudação - a criança - meu ventre. A pergunta inicial de Isabel, pra mim, tem caráter retórico, cuja resposta é Deus. Este encontro entre as duas é uma confirmação de um propósito que vem do alto e vai até o ventre de Isabel. Esse encontro marca essa confirmação de um agir espiritual, mas que se materializa aqui na terra, por meio dessas duas pessoas.
            Chegando então à última parte, verso 45, bem aventurado é aquele que crê. Meu ponto aqui não é exatamente a fé, mas a estreita ligação entre Deus e os homens, sejam eles de fé ou não. Ora, os propósitos de Deus não são cumpridos por anjos, ou por meio de mágicas. Deus usa pessoas. Pessoas simples, como duas mulheres aqui em Lucas 1, ou como eu e você. Pessoas comuns. Penso que um ponto importante é a importância que cada ser humano tem nos propósitos de Deus. Como disse C.S.Lewis, cada vida é eterna. Ninguém está aqui por acaso. Ninguém está em aleatório, vagando por ai. Quer sejamos gordos, magros negros, brancos, todos participamos dessa cadeia de ações produzida e sustentada por Deus (isso sim é sobrenatural).
            Por isso, acho que uma lição de Lucas nestes versos é o tratamento igual a cada ser humano, pois Lucas faz questão de valorizar o papel dessas duas mulheres para o nascimento do Messias, num contexto altamente machista. A diferença entre nós, crentes para os descrentes, é que nós vemos este agir de Deus na história, na nossa simples história. Como Isabel diz, bem aventurado somos, pois vemos (e ainda veremos mais) o cumprir das promessas de Deus.
           Há um segundo ponto aqui. Isabel não está falando que os que não creem são infelizes. Há uma tendência de “exclusivismo” no meio evangélico tal como foi com o povo de Israel. Essa idéia leva consigo o orgulho de que temos Deus ao nosso lado e que todas as outras pessoas irão pro inferno. Isso é um engano, pois o próprio Deus diz que todos os povos o adoram, mesmo estando longe da aliança. Quem você acha que está mais perto de Deus? Um cristão cujo coração está longe de deus, ou um “pagão” cujo coração e oração estão sensíveis ao agir de um ser supremo? Como Philip Yancey diz, se os judeus não souberam reconhecer o messias, porque nós achamos reconheceríamos se Jesus viesse hoje? O remédio para esse “exclusivismo” se encontra nesse texto de Lucas: reconheçamos o valor do próximo, seja ele quem for, nos planos e propósitos de Deus. Amém! 

segunda-feira, 3 de fevereiro de 2014

Amor

O amor é como uma manhã de verão
Quando nasce ensolarado
No coração apaixonado
Leva embora a solidão

Cheio de esperança ele se fortalece
Salta aos olhos o brilho 
De todo lindo carinho
Que a alma enaltece

No coração de quem ama
Vive um sol diferente
Cujo fulgor se demora
Num tempo sempre presente

Se este verão um dia acabar
Que meu coração se console
Ao ver, meus olhos, um brilho mais forte
Que no céu me espera chegar

Ismael Patriota, 17/12/13.

Nasce Jesus

Nasce Jesus 
Cantam anjos de alegria
Contam novas, boas novas
Em solene folia

Nasce Jesus 
Mesmo não tendo lugar
Numa simples manjedoura
Seu grande amor repousará

Nasce Jesus
Na forma de um milagre
De uma simples majestade
De um pequenino dom de Deus

Nasce Jesus
Nasce um carinho
Que afaga e consola
O coração ferido

Nasce Jesus
Nos pobres, nos fracos,
Nos sobrecarregados,
Perdidos, cansados,
Desiludidos e fartos
De nunca dizer não

Nasce Jesus
Nasce um caminho
Ao simples de espírito
E aberto coração

Feliz Natal!

Ismael Patriota, 23/12/13.

segunda-feira, 19 de novembro de 2012

Diário semanal de Lucas 1, versos 39-42

“Naqueles dias, levantou-se Maria, foi apressadamente à região montanhosa, a uma cidade de Judá, entrou em casa de Zacarias e saldou a Isabel. Ao ouvir a saudação de Maria, saltou a criancinha no seu ventre, e Isabel ficou cheia do Espírito Santo, e exclamou em alta voz: Bendita és tu entre as mulheres e bendito é o fruto de teu ventre.”

            Temos visto em Lucas como Deus transforma a vida de pessoas comuns, no caso aqui, a vida de Isabel e Zacarias. Também vimos como Ele primeiro nos aprece e oferece algo novo, melhor daquilo que vemos comumente. Como disse o anjo a Maria, “Descerá sobre ti o E. Santo e o poder do altíssimo te envolverá.” Pois bem, o texto fala do encontro das duas (das três) personagens principais do texto até agora: Maria e Isabel. Lucas não fala o que disse Maria, mas fala das conseqüências: a criancinha no ventre de Isabel saltou.

            Diante daquilo que tenho visto em Lucas, eu, particularmente, vejo alguns pontos interessantes aqui. Primeiro, a importância deste encontro. Deus está fazendo algo grandioso nestas duas pessoas, mas lembre-se que Isabel foi a primeira a engravidar. Não sei se você entende aonde quero chegar, mas eu vejo um outro sentido aqui, baseado no fato de que comparei Maria, alguém que carregava o Espírito Santo, a todos nós, quando tomamos uma decisão ao lado de Cristo. Ficamos diferentes e até nossas palavras são cheias d’Ele. O saltar da criancinha no ventre de Isabel é uma confirmação da obra de deus em Maria, que se autentica por meio das palavras: bendita és tu e bendito o fruto de teu ventre.

Outro ponto surge das palavras de Isabel: o trabalho de Deus em nós é uma bênção pras nossas vidas. Pode ser que isto soe simples demais aos nossos ouvidos ocidentais, mas ao falar de bênção, em um contexto judaico, Lucas traz à tona toda a tradição do Antigo testamento sobre bênçãos e maldições. Se fôssemos discorrer sobre tudo que ocorreu na história do povo judaico sobre este ponto, ficaríamos horas aqui. Eu quero me deter naquilo que está cuidadosamente posto aqui por Lucas: em poucas palavras, ele fala que todo aquele que se compromete com a obra de Deus aqui na terra já está abençoado. Não somente somos abençoados, mas tudo o que nascerá desta escolha também o será. Ou seja, tudo aquilo que o judaísmo exigia era somente um tipo desta nova aliança, baseada individualmente em nosso comprometimento com Deus. Lucas está descrevendo algo realmente digno de nota, pois tudo aquilo exigido em toda a lei judaica estava sendo substituído nesta nova história. A confirmação da decisão de Maria por meio das palavras de Isabel é uma confirmação da bênção de Deus sobre todos nós que nos comprometemos com Ele. 

E ai, entramos mais uma vez em nossa época moderna e ficamos estupefatos ao ver tantas exigências sendo impostas ao povo pelos religiosos de nosso tempo. Não basta um comprometimento. É necessário dinheiro, bens, dispor tudo nas mãos de Deus para que ele nos abençoe. Não sei você, mas não me conformo com esse pensamento. Não dá. Já falei sobre esse assunto e não vou me deter mais. Pra mim, nosso comprometimento basta e digo isso baseado no nosso próprio texto. Não é algo somente em palavras, mas tenho provado isso em minha vida. Claro que cada um tem sua experiência e graças a Deus, minha experiência tem sido leve, descarregada de todos esses fardos que são exigidos de tantos e que tanta gente insiste em carregar. Que sejamos mais leves!O sacrifício da cruz, que é o final desta história, já pagou o alto preço da nossa vitória. Insistir em completar essa obra é duvidar da própria vitória de cristo. Amém!

segunda-feira, 12 de novembro de 2012

sermão


Sermão em Ap. 21. 1,2
Por Ismael Patriota

Entregue à igreja Batista Calvário (Natal/RN, Brasil) em
17 de janeiro de 2010




        Dizem que o pregador não fala algo de novo. Ele só repete algo que foi dito de uma forma diferente. Pois bem, antes de tudo gostaria de falar um pouco sobre música. Um dos livros mais importantes lançados sobre música no século XX foi o Harmonia, de A. Schoenberg. Em sua introdução, o autor fala um pouco sobre a história da música e defende algo interessante: evolução musical. Seguindo a história da música, nós vemos que a maioria dos intervalos hoje utilizados eram proibidos antigamente. Eram proibidos não porque alguém quis assim, mas, segundo Schoenberg, porque os ouvidos humanos não estavam preparados para alguns intervalos. Conforme a música se desenvolveu, os intervalos considerados feios ou não-musicais foram lentamente sendo incorporados à música. Em resumo, os intervalos foram com o tempo sendo considerados bons para o ouvido musical do homem. Um exemplo disso é o intervalo de sétima maior, muito usado na MPB. Foi considerado durante séculos de música ocidental um intervalo “não-musical”, isto é, sonoramente desinteressante. Hoje é utilizado amplamente justamente para deixar a música mais “bonita“. Bom, o ponto que eu quero chegar nesta introdução parte desta ideia de evolução. Por evolução não quero dizer que o passado seja algo inferior, mas que existe uma dinâmica na história humana que parte do passado em direção sempre para frente. Assim como na música a incorporação de mais e mais intervalos enriquecem as possibilidades musicais, assim também ocorre com a história humana. O futuro sempre é resultado de uma série de fatores que se somam e dão num determinado lugar que então é somado a outros fatores ganhos e, posteriormente, culmina em um resultado maior, melhor.
                Agora veja, isso vale também para a história do homem. Com o discorrer dessa mensagem, quero que você tenha em mente essa idéia: a de que o presente nunca será igual ao futuro, mas dará passagem a ele, inevitavelmente. Agora vamos abrir nossas bíblias em Ap. 21. 1,2.
                A primeira coisa que eu quero chamar a sua atenção esta noite é o poder de Deus implícito no final de apocalipse. Aqui não há mais demônios, guerras, tumultos, pressa. Tudo transcorre a partir daqui, o capítulo 21, tranquilamente, como se há muito tempo tudo isso tivesse sido planejado. Quando lemos esses dois últimos capítulos, nós temos a impressão de uma força inabalável, um poder irresistível que de certo modo nós sabíamos que existia. Perceba que claramente João faz referência ao primeiro capítulo de Gênesis, o primeiro verso da bíblia: “no princípio criou Deus os céus e a terra”. Simples assim também começa nosso verso de hoje: “E vi um novo céu e uma nova terra, porque o primeiro céu e a primeira terra passaram e o mar já não existe“. É bom lembrar que o mar foi criado depois, de Gênesis 1.1, o que corrobora a referência clara ao início de tudo. Nada poderia ser mais simples. Agora, você consegue perceber a tranqüilidade deste Ser, que nós o chamamos de Deus e que tem esse poder capaz de construir e reconstruir nossa terra tão cuidadosamente colocada no universo solar. Não só isso me assombra. Também o fato desta tranquilidade aparecer no final da história, como se o dia e a hora fossem conhecidos desde o início também me perturba. Parece e é uma tranquilidade inabalável. Para mim justifica plenamente aqueles versículos que lemos, como aquele em que Deus destruiria seus adversários apenas com o sopro da sua boca. É fantástico ver que este poder permanece o mesmo desde o início da criação. Este poder de Deus permanece intransponível, como aquele guerreiro que jamais perde uma batalha e que sempre sai vencedor, como já comentaram sobre a verdade. Todos os detalhes da vida animal, do movimento dos corpos celestes, das forças que sustentam o planeta, que dão harmonia ao nosso universo. Absolutamente não são forças que Deus tem de lutar para controlar. Não! são forças criadas por Ele. A bíblia fala que Deus mede o universo a palmos! E claro que sim: Ele o criou com a força do seu poder!

Eu creio que esse texto de apocalipse nos ajuda a entender uma primeira coisa: nós não conhecemos o poder de Deus. Existem alguns versículos da bíblia que apontam para isso. Um salmista já exclamava: Quem é o homem para que dele te lembres? E outro já dizia: ó profundidade da riqueza, da sabedoria e do conhecimento de Deus! Veja. Deus não é essa força, Ele é o ser que a detém. E realmente nós não conhecemos seu limite. Eu chego então à conclusão de que essa segunda criação surpreenderá a todos, será muito melhor que a primeira. João não dá detalhes deste novo céu e nova terra, mas uma das razões está lá em Romanos 8.21, que diz que a natureza aguarda a remissão do cativeiro da corrupção e no verso 22 que ela geme e suporta angústias até agora. Se a natureza é bela aos nossos olhos e existem tantos detalhes maravilhosos que ainda desconhecemos sobre ela, imagine como será essa natureza restaurada da maldição do pecado! Imagine o que Deus pode fazer diante dos nossos olhos após a derrota das forças do mal. Comparando o texto de Gênesis com este aqui, parece-me que Deus fez primeiramente um rabisco, um rascunho com esta primeira natureza aqui, diante da nova que Ele fará em Ap. 21. Se há uma coisa que Deus sempre fez foi nos surpreender, e uma surpresa sempre é algo novo, que nós não esperamos. É sempre algo melhor que nossas expectativas (uma boa surpresa). Eu tenho certeza que essa nova criação será infinitamente mais do que pedimos ou pensamos. Melhor do que sequer sonhamos.

                Agora veja o verso 2. Aqui é importante ressaltar que João vê uma cidade que representa a noiva de Cristo, que é reunida numa nova terra e um novo céu. Observe que no verso 9 um anjo diz que irá mostrar a noiva, a esposa do cordeiro e o que João vê, o que ele descreve com mais detalhes, é esta cidade, que segundo Charles Ryrie irá aparentemente pairar no céu e será a morada dos crentes na eternidade.[1] Voltando ao Velho Testamento, Jerusalém sempre foi descrita como o lugar de habitação de Deus, que reúne seu povo no templo. Assim, segundo Louis Berkhof[2], no N. Testamento a igreja é considerada a reprodução exata da Jerusalém antiga, tendo assim o mesmo nome. Então, Deus faz um novo céu e uma nova terra e agora a igreja desce dos céus, representada por esta cidade, como uma noiva adornada para seu esposo. João dá dois adjetivos aqui: santo e novo. É digno de nota que o adjetivo novo é usado pela terceira vez aqui. Temos um novo céu e uma nova terra, e agora uma nova igreja. Claro que João está vendo uma ‘nova’ Jerusalém, como cidade, mas já que aprendemos e sabemos que esta cidade representa a igreja, é realmente fascinante o significado que o termo assume, especialmente aqui.
                Vamos falar um pouco desta nova Jerusalém. Este termo é intimamente ligado à escatologia. Não somente aqui, nem porque nos lembra do novo céu e nova terra, onde habita a justiça, em 2 Pe 3.13, mas principalmente porque nos lembra do novo homem , ou melhor, do novo nascimento do homem ou de passagens como aquela do diálogo de Cristo e Nicodemos: É necessário nascer de novo! Era necessário ser um novo homem! Quem não se lembra do vinho novo? Especialmente dos odres. Eram necessários odres novos, porque o vinho novo em odres velhos iria rompe-los. Ou seja, quando Jesus esteve aqui ele pregou esta novidade (vinho novo) de vida como um patamar mais elevado, superior, aos homens como eu e você (que carregamos odres velhos). É preciso deixar as coisas bem claras aqui. Novo não é simplesmente evolução social ou moral. É uma obra de Deus. No próprio capítulo de Cristo e Nicodemos, vemos o termo nascer “do alto”. Perceba que a nova Jerusalém desce do alto, da parte de Deus. Temos aqui uma obra interior, uma mudança no interior do homem feita pelo próprio Deus. Não é apenas se tornar uma pessoa mais certinha, mas uma mudança de pensamento, de caráter, de vida, através do Espírito Santo, que convence o homem do pecado da justiça e do juízo. Você entende? Tem muita gente confundindo novo nascimento como novo divertimento. Saímos da diversão do mundo para a diversão de ser crente. Parece fascinante, e soa muito bonito, mas é uma mentira. Claro que os nascidos de novo crescem moralmente, mas isso é somente uma consequência de um novo pensamento de vida, da nova vida interior. Os ladrões pensam agora em trabalho, os imorais querem uma família, os covardes erguem a cabeça, os mentirosos abraçam a verdade.
É sempre assim. O novo nascimento é visível aos olhos, mas esse fator externo não exprime o tamanho desta nova vida, somente uma porcentagem. A obra de Deus no homem é imensa. Não ouse compará-la a um fator externo, ainda mais sabendo que esta é uma obra constante. Cristo a faz através do Espírito Santo por toda a nossa vida como um preparo para esse tempo do apocalipse capítulo 21. E todos nós o sabemos. O bebê que não quer sair do útero de sua mãe por achar mais aconchegante lá dentro acabará morrendo. A criança que se recusa a tomar decisões importantes nunca chegará a ser adulto. E aquele cristão que se acovarda diante da estrada certamente não completará a caminhada. Existem casos fáceis e existem os difíceis, mas todos passamos por provações. C. S Lewis disse uma vez que Deus sabe o carro em que dirigimos. Pode não ser um bom carro hoje, mas certamente Ele nos dará um novo (melhor) um dia. Deus sabe de nossas dificuldades, mas Ele fez questão de nos dizer que um dia uma nova Jerusalém surgirá nos céus do universo.

                Até lá, temos de dar o nosso melhor sempre tendo em mente esse novo passo para o homem. Sempre pra frente, sempre para melhor. Um passo a mais, uma entrega a mais, não desistindo da esperança da nova Jerusalém. Paulo já dizia que seríamos os mais miseráveis entre os homens se não levássemos em conta a eternidade. Que quando era criança, fazia as coisas de criança, mas que quando adulto, deixou de fazê-las.
Não busque motivos para defender este mundo, esta realidade temporária. Não há nada aqui. Esta criação está velha, sabe. Está idosa, caducando. Aquele que é nascido de novo sabe disso. Há realmente algo de errado com este mundo e é preciso, anote isso, um salto de fé em direção ao céu. Muitos ainda não entenderam, ou não enxergaram isso e continuam buscando as coisas daqui. Tem muito cristão por ai que deixou de orar e ler a bíblia pra ir às campanhas em busca de bênçãos materiais. Tanta gente passando horas em frente a TV. Tantos que estão presos aos vícios, tantos que defendem com unhas e dentes o sistema deste mundo. Não vamos nos enganar irmãos, o tempo está passando para esta criação acabar. João deixa bem claro que a primeira criação passará, no verso 1. Não tente acumular coisas aqui. Elas não são o principal. Busque sempre em primeiro lugar esse novo reino, este novo nascimento, mesmo vivendo aqui. A noiva que desce do céu, ela é nova, não só nas vestes, mais interiormente. Não pense que as alegrias deste mundo podem se comparar com a do novo mundo. Não se engane pensando que o que existe aqui é melhor do que nos foi preparado. Quantos pensam que no céu será um tédio! Ilusão! O ouvido jamais ouviu nem olho algum viu o que Deus tem preparado para nós. Eu tenho certeza que Deus tem poder suficiente para te surpreender naquele dia. Há uma música antiga que faz esse contraste das preocupações principais da vida:

Você sabe as notícias do dia, você sabe a rotina da vida e conhece as pessoas chegadas e as estradas que levam pra lida. Você sabe aonde trabalha e a escola aonde estuda. Sabe até dizer quando vem chuva no instante em que o tempo muda. Você sabe se alguém anda certo lá por perto do bairro onde mora e conhece os que chegam de longe e as pessoas que já vão embora. Você sabe falar de política e de crenças conhece demais. Sabe tudo o que vai pelo mundo, pois lê tudo o que vem nos jornais. Mas será que você sabe que Jesus está voltando, que mais dias, menos dias, esta hora está chegando. Cristo vem depressa, Cristo vem depressa, isto eu sei de cor, isto é promessa, Cristo vem depressa.

                Por fim, existe uma imensa alegria neste texto. Não falo da alegria de João ao ver a nova terra ou a nova Jerusalém. Também não falo da alegria da igreja quando chegar lá. Eu falo da alegria de Deus. Há muito tempo atrás, olhando para a cidade de Jerusalém, Jesus chorou. Como eu gostaria de ajuntá-las, disse ele, como uma galinha faz com seus pintinhos, mas vocês não quiseram. Mas aqui sim, aqui estamos todos reunidos, estamos enfim debaixo de suas asas. Aqui sim, descobrimos que o sofrimento pelo qual passamos não se compara à glória deste novo porvir. Que na realidade nós não perdemos para ganhar, nós só ganhamos. Que Cristo já esperava por nós. Que Ele já nos queria lá com Ele neste novo reino surpreendente, infinito e belo. Maranata. Ora vem, Senhor Jesus!


[1] fonte: bíblia anotada.
[2] L. Berkhof. Teologia sistemática. 3º ed.

domingo, 28 de agosto de 2011

Diário semanal de Lucas 1 versos 36-38


"E Isabel, tua parenta, igualmente concebeu um filho na sua velhice, sendo este já o sexto mês para aquela que diziam ser estéril. Porque para Deus não haverá impossíveis em todas as suas promessas. Então, disse Maria: Aqui está a serva do Senhor; que se cumpra em mim conforme a tua palavra. E o anjo se ausentou dela."

Lucas está terminando aqui uma parte do texto. Eu quero destacar dois pontos:

Primeiro, o fato de Deus escolher a mim e a você para fazer uma obra aqui na terra, em nós e através de nós, como vimos nos versos anteriores, isto não nos deve nos levar a outra perspectiva (no mau sentido). Explicando melhor, eu percebo uma preocupação aqui. Não somos maiores que ninguém e o fato de Gabriel falar a Maria sobre a gravidez de Isabel é, também, uma exortação. Uma exortação de que Deus está fazendo aquilo que Ele quer, também em e com outras pessoas. É certo que somos especiais, mas não melhores ou piores que ninguém. A graça é de Deus, não nossa. Isso é importante hoje porque o que vemos são cristãos exigindo que Deus faça isso e aquilo... Fujamos disso.

E aí, então, há uma conclusão: Porque não há impossíveis nas promessas de Deus. É interessante este ponto. Gabriel está falando de Isabel aqui. Lembra que foi com ela e Zacarias que Lucas abriu o relato de sua versão sobre a história de Cristo? Ela, que não “poderia” engravidar, engravidou, para a admiração e inveja de muitos... A conclusão de Gabriel talvez seja a parte mais importante até aqui da nossa história. Levando este ponto para nossa vida cristã, é isso mesmo que acontece. Temos, nestes comentários a Lucas, tentado levar à prática algumas verdades que precisam ser consideradas. Eis aqui mais uma.

Não importa o que aconteça. Não importa se a viajem será longa, apertada, difícil, suada. Não há impossíveis para Deus. Isso é tão reconfortante como instigante: Deux ex machina! Assim como no teatro grego, Deus vem aqui na terra para resolver as pontas soltas de nossa história. Na prática, um exemplo serve: dizem que Spurgeon, o famoso pregador do séc. 19, antes de se tornar cristão, vivia triste porque não conseguia superar seus pecados, até que um dia entendeu que no relato do chamado dos discípulos, não havia imposições do Mestre. É uma passagem de ida, um convite sem encargos, sem complicações sociais, sem regras de vestimenta. Como costumam dizer, é um “venha como estás”. O que Spurgeon não entendia é justamente isto: Deus chama pecadores natos, que, usados por ele, surpreendem o mundo. Logo, esta história de que “não sou digno” não serve. Não há desculpas perante Deus. Paremos de autocomiseração e façamos como Maria: aqui está um servo do Senhor. Que se cumpra em mim sua palavra.

Percebeu agora? A preocupação de Gabriel é com duas coisas: uma, nada de se achar especial demais; outra, nada de se achar inapto demais. A única coisa que devemos dizer é o que sempre foi dito por homens que se encontraram com Deus: Moisés na sarça ardente, Isaías no templo, Maria com o anjo: Eis-me aqui. Deixemos que do resto Deus se encarregue. Por último, o anjo se ausenta. Retornamos então à prática do dia-a-dia, à realidade, mas voltemos diferente. Olhemos para frente, com olhos decididos, e corramos nossa carreira proposta... Amém.