Sermão em Ap. 21. 1,2
Por Ismael Patriota
Entregue à igreja Batista Calvário (Natal/RN, Brasil) em
17 de janeiro de 2010
Dizem que o pregador não fala algo de novo. Ele só repete algo que foi
dito de uma forma diferente. Pois bem, antes de tudo gostaria de falar
um pouco sobre música. Um dos livros mais importantes lançados sobre música no
século XX foi o Harmonia, de A. Schoenberg. Em sua introdução, o autor fala
um pouco sobre a história da música e defende algo interessante: evolução
musical. Seguindo a história da música, nós vemos que a maioria dos intervalos
hoje utilizados eram proibidos antigamente. Eram proibidos não porque alguém
quis assim, mas, segundo Schoenberg, porque os ouvidos humanos não estavam preparados
para alguns intervalos. Conforme a música se desenvolveu, os intervalos
considerados feios ou não-musicais foram lentamente sendo
incorporados à música. Em resumo, os intervalos foram com o tempo sendo considerados
bons para o ouvido musical do homem. Um exemplo disso é o intervalo de sétima
maior, muito usado na MPB. Foi considerado durante séculos de música ocidental
um intervalo “não-musical”, isto é, sonoramente desinteressante. Hoje é
utilizado amplamente justamente para deixar a música mais “bonita“. Bom, o
ponto que eu quero chegar nesta introdução parte desta ideia de evolução. Por
evolução não quero dizer que o passado seja algo inferior, mas que existe uma
dinâmica na história humana que parte do passado em direção sempre para frente.
Assim como na música a incorporação de mais e mais intervalos enriquecem as
possibilidades musicais, assim também ocorre com a história humana. O futuro
sempre é resultado de uma série de fatores que se somam e dão num determinado lugar
que então é somado a outros fatores ganhos e, posteriormente, culmina em um
resultado maior, melhor.
Agora
veja, isso vale também para a história do homem. Com o discorrer dessa
mensagem, quero que você tenha em mente essa idéia: a de que o presente nunca
será igual ao futuro, mas dará passagem a ele, inevitavelmente. Agora vamos
abrir nossas bíblias em Ap. 21. 1,2.
A
primeira coisa que eu quero chamar a sua atenção esta noite é o poder de Deus
implícito no final de apocalipse. Aqui não há mais demônios, guerras, tumultos,
pressa. Tudo transcorre a partir daqui, o capítulo 21, tranquilamente, como se
há muito tempo tudo isso tivesse sido planejado. Quando lemos esses dois
últimos capítulos, nós temos a impressão de uma força inabalável, um poder
irresistível que de certo modo nós sabíamos que existia. Perceba que claramente
João faz referência ao primeiro capítulo de Gênesis, o primeiro verso da
bíblia: “no princípio criou Deus os céus e a terra”. Simples assim também
começa nosso verso de hoje: “E vi um novo céu e uma nova terra, porque o
primeiro céu e a primeira terra passaram e o mar já não existe“. É bom lembrar
que o mar foi criado depois, de Gênesis 1.1, o que corrobora a referência clara
ao início de tudo. Nada poderia ser mais simples. Agora, você consegue perceber
a tranqüilidade deste Ser, que nós o chamamos de Deus e que tem esse poder
capaz de construir e reconstruir nossa terra tão cuidadosamente colocada no
universo solar. Não só isso me assombra. Também o fato desta tranquilidade
aparecer no final da história, como se o dia e a hora fossem conhecidos desde o
início também me perturba. Parece e é uma tranquilidade inabalável. Para mim
justifica plenamente aqueles versículos que lemos, como aquele em que Deus
destruiria seus adversários apenas com o sopro da sua boca. É fantástico ver
que este poder permanece o mesmo desde o início da criação. Este poder de Deus
permanece intransponível, como aquele guerreiro que jamais perde uma batalha e
que sempre sai vencedor, como já comentaram sobre a verdade. Todos os detalhes
da vida animal, do movimento dos corpos celestes, das forças que sustentam o
planeta, que dão harmonia ao nosso universo. Absolutamente não são forças que
Deus tem de lutar para controlar. Não! são forças criadas por Ele. A bíblia
fala que Deus mede o universo a palmos! E claro que sim: Ele o criou com a
força do seu poder!
Eu creio que esse texto de
apocalipse nos ajuda a entender uma primeira coisa: nós não conhecemos o poder
de Deus. Existem alguns versículos da bíblia que apontam para isso. Um salmista
já exclamava: Quem é o homem para que dele te lembres? E outro já dizia: ó
profundidade da riqueza, da sabedoria e do conhecimento de Deus! Veja. Deus não
é essa força, Ele é o ser que a detém. E realmente nós não conhecemos seu
limite. Eu chego então à conclusão de que essa segunda criação surpreenderá a
todos, será muito melhor que a primeira. João não dá detalhes deste novo céu e
nova terra, mas uma das razões está lá em Romanos 8.21, que diz que a natureza
aguarda a remissão do cativeiro da corrupção e no verso 22 que ela geme e
suporta angústias até agora. Se a natureza é bela aos nossos olhos e existem
tantos detalhes maravilhosos que ainda desconhecemos sobre ela, imagine como
será essa natureza restaurada da maldição do pecado! Imagine o que Deus pode
fazer diante dos nossos olhos após a derrota das forças do mal. Comparando o
texto de Gênesis com este aqui, parece-me que Deus fez primeiramente um
rabisco, um rascunho com esta primeira natureza aqui, diante da nova que Ele
fará em Ap. 21. Se há uma coisa que Deus sempre fez foi nos surpreender, e uma
surpresa sempre é algo novo, que nós não esperamos. É sempre algo melhor que
nossas expectativas (uma boa surpresa). Eu tenho certeza que essa nova criação
será infinitamente mais do que pedimos ou pensamos. Melhor do que sequer
sonhamos.
Agora
veja o verso 2. Aqui é importante ressaltar que João vê uma cidade que
representa a noiva de Cristo, que é reunida numa nova terra e um novo céu.
Observe que no verso 9 um anjo diz que irá mostrar a noiva, a esposa do
cordeiro e o que João vê, o que ele descreve com mais detalhes, é esta cidade,
que segundo Charles Ryrie irá aparentemente pairar no céu e será a morada dos
crentes na eternidade.[1] Voltando ao Velho Testamento, Jerusalém sempre foi descrita como o
lugar de habitação de Deus, que reúne seu povo no templo. Assim, segundo Louis Berkhof[2], no N. Testamento a igreja é considerada a reprodução exata da
Jerusalém antiga, tendo assim o mesmo nome. Então, Deus faz um novo céu e uma
nova terra e agora a igreja desce dos céus, representada por esta cidade, como uma
noiva adornada para seu esposo. João dá dois adjetivos aqui: santo e novo. É
digno de nota que o adjetivo novo é usado pela terceira vez aqui. Temos um novo
céu e uma nova terra, e agora uma nova igreja. Claro que João está vendo uma
‘nova’ Jerusalém, como cidade, mas já que aprendemos e sabemos que esta cidade
representa a igreja, é realmente fascinante o significado que o termo assume,
especialmente aqui.
Vamos
falar um pouco desta nova Jerusalém. Este termo é intimamente ligado à
escatologia. Não somente aqui, nem porque nos lembra do novo céu e nova terra,
onde habita a justiça, em 2 Pe 3.13, mas principalmente porque nos lembra do novo
homem , ou melhor, do novo nascimento do homem ou de passagens como aquela
do diálogo de Cristo e Nicodemos: É necessário nascer de novo! Era necessário
ser um novo homem! Quem não se lembra
do vinho novo? Especialmente dos odres. Eram necessários odres novos, porque o
vinho novo em odres velhos iria rompe-los. Ou seja, quando Jesus esteve aqui
ele pregou esta novidade (vinho novo) de vida como um patamar mais elevado,
superior, aos homens como eu e você (que carregamos odres velhos). É preciso
deixar as coisas bem claras aqui. Novo não é simplesmente evolução social ou
moral. É uma obra de Deus. No próprio capítulo de Cristo e Nicodemos, vemos o
termo nascer “do alto”. Perceba que a nova Jerusalém desce do alto, da parte de
Deus. Temos aqui uma obra interior, uma mudança no interior do homem feita pelo
próprio Deus. Não é apenas se tornar uma pessoa mais certinha, mas uma mudança
de pensamento, de caráter, de vida, através do Espírito Santo, que convence o
homem do pecado da justiça e do juízo. Você entende? Tem muita gente
confundindo novo nascimento como novo divertimento. Saímos da diversão do mundo
para a diversão de ser crente. Parece fascinante, e soa muito bonito, mas é uma
mentira. Claro que os nascidos de novo crescem moralmente, mas isso é somente
uma consequência de um novo pensamento de vida, da nova vida interior. Os
ladrões pensam agora em trabalho, os imorais querem uma família, os covardes
erguem a cabeça, os mentirosos abraçam a verdade.
É sempre assim. O novo
nascimento é visível aos olhos, mas esse fator externo não exprime o tamanho desta
nova vida, somente uma porcentagem. A obra de Deus no homem é imensa. Não ouse
compará-la a um fator externo, ainda mais sabendo que esta é uma obra
constante. Cristo a faz através do Espírito Santo por toda a nossa vida como um
preparo para esse tempo do apocalipse capítulo 21. E todos nós o sabemos. O
bebê que não quer sair do útero de sua mãe por achar mais aconchegante lá
dentro acabará morrendo. A criança que se recusa a tomar decisões importantes
nunca chegará a ser adulto. E aquele cristão que se acovarda diante da estrada
certamente não completará a caminhada. Existem casos fáceis e existem os
difíceis, mas todos passamos por provações. C. S Lewis disse uma vez que Deus
sabe o carro em que dirigimos. Pode não ser um bom carro hoje, mas certamente
Ele nos dará um novo (melhor) um dia. Deus sabe de nossas dificuldades, mas Ele
fez questão de nos dizer que um dia uma nova Jerusalém surgirá nos céus do
universo.
Até
lá, temos de dar o nosso melhor sempre tendo em mente esse novo passo para o
homem. Sempre pra frente, sempre para melhor. Um passo a mais, uma entrega a
mais, não desistindo da esperança da nova Jerusalém. Paulo já dizia que
seríamos os mais miseráveis entre os homens se não levássemos em conta a
eternidade. Que quando era criança, fazia as coisas de criança, mas que quando
adulto, deixou de fazê-las.
Não busque motivos para defender
este mundo, esta realidade temporária. Não há nada aqui. Esta criação está
velha, sabe. Está idosa, caducando. Aquele que é nascido de novo sabe disso. Há
realmente algo de errado com este mundo e é preciso, anote isso, um salto de fé
em direção ao céu. Muitos ainda não entenderam, ou não enxergaram isso e
continuam buscando as coisas daqui. Tem muito cristão por ai que deixou de orar
e ler a bíblia pra ir às campanhas em busca de bênçãos materiais. Tanta gente
passando horas em frente a TV. Tantos que estão presos aos vícios, tantos que
defendem com unhas e dentes o sistema deste mundo. Não vamos nos enganar
irmãos, o tempo está passando para esta criação acabar. João deixa bem claro
que a primeira criação passará, no verso 1. Não tente acumular coisas aqui.
Elas não são o principal. Busque sempre em primeiro lugar esse novo reino, este
novo nascimento, mesmo vivendo aqui. A noiva que desce do céu, ela é nova, não
só nas vestes, mais interiormente. Não pense que as alegrias deste mundo podem
se comparar com a do novo mundo. Não se engane pensando que o que existe aqui é
melhor do que nos foi preparado. Quantos pensam que no céu será um tédio! Ilusão!
O ouvido jamais ouviu nem olho algum viu o que Deus tem preparado para nós. Eu
tenho certeza que Deus tem poder suficiente para te surpreender naquele dia. Há
uma música antiga que faz esse contraste das preocupações principais da vida:
Você sabe as notícias do dia, você sabe a rotina
da vida e conhece as pessoas chegadas e as estradas que levam pra lida. Você
sabe aonde trabalha e a escola aonde estuda. Sabe até dizer quando vem chuva no
instante em que o tempo muda. Você sabe se alguém anda certo lá por perto do
bairro onde mora e conhece os que chegam de longe e as pessoas que já vão
embora. Você sabe falar de política e de crenças conhece demais. Sabe tudo o
que vai pelo mundo, pois lê tudo o que vem nos jornais. Mas será que você sabe
que Jesus está voltando, que mais dias, menos dias, esta hora está chegando.
Cristo vem depressa, Cristo vem depressa, isto eu sei de cor, isto é promessa,
Cristo vem depressa.
Por
fim, existe uma imensa alegria neste texto. Não falo da alegria de João ao ver
a nova terra ou a nova Jerusalém. Também não falo da alegria da igreja quando
chegar lá. Eu falo da alegria de Deus. Há muito tempo atrás, olhando para a
cidade de Jerusalém, Jesus chorou. Como eu gostaria de ajuntá-las, disse ele,
como uma galinha faz com seus pintinhos, mas vocês não quiseram. Mas aqui sim,
aqui estamos todos reunidos, estamos enfim debaixo de suas asas. Aqui sim,
descobrimos que o sofrimento pelo qual passamos não se compara à glória deste
novo porvir. Que na realidade nós não perdemos para ganhar, nós só ganhamos.
Que Cristo já esperava por nós. Que Ele já nos queria lá com Ele neste novo
reino surpreendente, infinito e belo. Maranata. Ora vem, Senhor Jesus!
[1] fonte: bíblia anotada.
[2] L. Berkhof. Teologia sistemática. 3º ed.